quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

42

Se não sabem o que se passa cá, na ilha da Madeira, não devem prestar muita atenção aos média. Porque muita gente por esse mundo fora já sabe que tivemos uma catástrofe natural como não há memória. Ou pelo menos, nunca tinha visto nada assim nos meus curtos, mas vividos, 28 anos.

Diz-se que em 1803, houve algo parecido, que é um fenómeno cíclico, e que nessa altura morreram umas 400 pessoas. Por enquanto, e oficialmente, existem apenas 42 vítimas mortais. Contam-se também vários feridos, e muitas pessoas desalojadas.

Reside nestes números oficiais aquilo que considero uma tragédia. Não é que dizem que o Governo Regional anda a esconder o número real de mortos? Eu já ouvi falar em 87 cadáveres, só na morgue do Aeroporto da Madeira. E hoje, ouvi dizer que muitos dos voluntários, que arduamente trabalham na baixa da nossa capital, viram saírem macas cobertas por lençóis. Provinham das caves dos centros comerciais, dos parques de estacionamento. Onde, logicamente, para quem viu a enxurrada que cobriu a baixa do Funchal, estariam várias pessoas que teriam sido mortas pelas águas em fúria. Ocultar todas estas fatalidades é difícil de explicar.

Não afirmo que realmente existam assim tantos mortos, pelo menos por descobrir em terra, quanto se apregoa nas bilhardices da ilha. Já nas águas da baía do Funchal, acredito que haverá algumas sepulturas aquáticas, mas é este número oficial que me confunde, por ser curto se compararmos com magnitude de tudo o que se passou.

Mais a mais, porque estas chuvas não mataram apenas na baixa do Funchal. Nas terras altas da cidade, e no concelho da Ribeira Brava, por exemplo, acredito que existam famílias inteiras que perderam a vida. Mas nos últimos dois dias, o número oficial manteve-se: 42.

Das duas uma: ou existe uma obsessão em manter o verniz sobre esta unha arrancada e cheia de terra por parte do nosso governo, ou então estes governantes são fans do Hitchhikers Guide to the Galaxy, pois neste livro o número 42 tem um significado importantíssimo na nossa vida.

Piadolas à parte, espero que a verdade seja como as coisas que flutuam , mesmo que num mar de lama, e que venha ao de cima. E que isto se resolva de uma forma séria. Porque até o Público, na edição de hoje, questiona esta política do Governo Regional da Madeira. E não reconhecer aqueles que perderam a vida numa catástrofe tão grave será uma tragédia. Põe em causa todo o esforço e disponibilidade, a boa gestão da crise, e a confiança por nós depositada nos nossos governantes.