segunda-feira, 19 de julho de 2010

Há dias que mais vale ficar na cama...

Manhã de Domingo.

Gervásio Anacleto pega na sua pasteleira para subir a colina. Lá em cima, com vista sobre a pitoresca povoação de Santa Cruz, vive a sua amada. Maria Andreolina estaria à sua espera para uma ida ao café do costume. Ritual que era sempre realizado nos primeiros Domingos de cada mês. Só que na noite anterior, Maria Rita tinha convidado Andreolina para uma despedida de solteira, e Gervásio não estava certo de que ela estaria acordada tão cedo. De facto, dá com Maria Andreolina num fogoso estado de embriaguez, à porta de casa e a fazer-lhe propostas indecentes. “Foi isso que foste aprender ontem, pequena? Não és mulher para mim!” – atirou Gervásio. Virou-lhe as costas e voltou a descer a colina.

Cai a noite sobre Santa Cruz. Gervásio deixa a Tasca do Manel com as mágoas afogadas em vinho seco. Aos 30 anos e, após sucessivas desventuras amorosas, com o seu coração a despedaçar-se, pega na pasteleira e ruma a casa. “CRASH!” é o som que lhe invade a mente. Mas como um som poderia ser tão palpável?

“Eita! Que você ‘tá fazendo com o meu carro? Não vê que lhe bateu?!” – pergunta-lhe uma voz desconhecida. Ainda Gervásio se está a levantar, e já falam em chamar a polícia. O velocípede jaz junto a um carro com um farol estilhaçado, enquanto o pobre do doente amoroso revira as memórias: “Porque razão alguém estacionaria um carro no meio da estrada?”

Testam-lhe a quantidade de álcool no sangue. Ou será o inverso? Quem é que lhe chamou “balão”? Só se Gervásio é um palhaço neste circo que é a vida… Dedos acusadores são apontados, vozes gritam, riem. Outras cochicham. Algemam-lhe as mãos e é levado ao calabouço. Dizem-lhe que vai perder a carta. Qual carta? A de condução! Rica coisa: mal tinha conseguido amealhar alguns trocos, insuficientes para comprar uma viatura em que levaria a passear a sua Maria.

Manhã de Segunda-Feira. Em vez do balcão de uma pequena loja de telemóveis, Gervásio está perante uma barra de tribunal. Um juiz vocifera artigos e leis. “Cassação do título de condução; Coima; Seguro.” Estas palavras ressoam na cabeça que ressaca. Mais valia ter aproveitado a manhã de Domingo para dormir até tarde.

*escrito no âmbito da disciplina de Análise do Discurso Mediático, do curso de Comunicação, Cultura e Organizações. Baseado num artigo de jornal que descrevia a apreensão de um condutor de velocípede por excesso de álcool no sangue.